Após participar de um workshop sobre desenvolvimento de jogos de tabuleiro com o designer Eduardo Guerra (Crop Rotation, Heróis de San Villano) aqui em Salvador no ano passado, produzido pelo pessoal da
Invasion BG, comecei a me interessar mais fortemente pelo tema. Jogar jogos de tabuleiro é algo bastante nostálgico para a minha geração, dos anos de 1980, e criar também não poderia ser diferente.
É incrível como o hobby de jogar jogos de tabuleiro acaba criando outros subhobbies, por assim dizer, seja pintar minis, construir inserts, substituir componentes, produzir print and plays, etc. Mas, no meu caso, o que pegou mesmo foi essa história de criar novos jogos, então, vamos dizer que o design de jogos de tabuleiro é também um bom subhobby para se ter entre as jogatinas.
Mas, logo após os primeiros rascunhos, tive uma dificuldade prática: como tirar o projeto do papel e ter os componentes necessários para se criar um protótipo funcional e que não fosse tão improvisado? A única solução que eu encontrei foi a compra de alguns itens separados nas poucas lojas virtuais disponíveis no Brasil que trabalham com isso, o que tornou o projeto bem caro, logo na primeira tentativa.
Para a minha sorte, no finalzinho do ano passado, a Ludens (LudensLab) lançou, por meio de financiamento coletivo, a Creative Game Box (CGB), assinada pelo diagramador William Magri. A CGB é, basicamente, uma ferramenta para desenvolver e prototipar boardgames, cardgames e dicegames e que atendeu bem às minhas necessidades de desenvolvedor de jogos de tabuleiro (bem) iniciante.
Antes de continuar, alerto que a intenção nessa análise não é a de dissecar os aspectos técnicos dos componentes (até mesmo porque não os domino), mas a de mostrar o conteúdo da caixa e fazer algumas considerações sobre as possíveis utilidades, especialmente, para novatos como eu. Feita a ressalva, a primeira coisa que chama a atenção na CGB é a diversidade dos componentes.
A campanha de financiamento coletivo apresentou 3 tamanhos diferentes de kits (pequeno, médio e grande), além de uma grande diversidade de componentes avulsos para adicionar ao seu apoio. No meu caso, preferi ficar com o kit médio, que atende bem às minhas necessidades, mas que, ainda assim, traz uma quantidade enorme de componentes. Além disso, optei também por substituir os itens de plástico por madeira e incluir tiles quadrados.
A campanha cumpriu o prazo de entrega (recebi em abril) e, quando chegou, eu fiz algumas fotos dos componentes para compartilhar com vocês. A primeira coisa que se destaca é a caixa em branco, bem resistente e com as informações da ferramenta em um envelope que se encaixa na mesma. Por um segundo eu estranhei, mas logo me dei conta que a própria caixa também faz parte dos componentes para desenvolvimento:
Antes de falar dos demais componentes, é importante destacar que a CGB traz um projeto gráfico bem caprichado e que não fará feio ao lado dos seus jogos favoritos na estante. Além disso, é de fácil manuseio, ainda que para novatos como eu, então, imagino que possa ser usada até mesmo por crianças para projetos pedagógicos com jogos, desde que com acompanhamento.
Dentro da caixa branca e pesada temos uma diversidade bem legal de componentes: fichas do jogador, biombos, tabuleiros milimetrados, cartas de tamanho comum e pequenas, tiles hexagonais, tokens de personagens pequenos e grandes com as respectivas bases plásticas, tokens redondos, dados brancos, tabuleiro e muitos cubos, fichas, peões e meeples em quatro cores diferentes.
A seguir, vou falar um pouco de cada um dos componentes. Os tabuleiros milimetrados incluídos, por exemplo, podem te ajudar a pensar em movimentos em grade ou ponto-a-ponto, como nas batalhas com minis em Dungeons & Dragons:
Os biombos podem auxiliar no desenvolvimento de jogos em que os componentes ficam escondidos dos demais jogadores na mesa, como em Game of Thrones Board Game, por exemplo:
As fichas de jogador presentes na caixa podem ajudar, por exemplo, no desenvolvimento de jogos em que os personagens/clãs possuem poderes diversos ou mesmo assimétricos, como visto em Root:
Os tiles quadrados foram uma adição de componentes avulsos que eu achei importante fazer, pois podem servir de diversas formas, como tiles com funções/poderes especiais ou mesmo como territórios, como em Carcassone, por exemplo:
Os tokens de personagem e as respectivas bases plásticas podem auxiliar no desenvolvimento de jogos com personagens diferentes se movendo pelo tabuleiro, por exemplo, como visto em Dead of Winter:
As cartas presentes na CGB possuem dois tamanhos diferentes e são reutilizáveis (como todos os demais componentes cartonados) por meio do uso de adesivos em branco também fornecidos nos kits:
Os tiles hexagonais são bastante úteis e lembram imediatamente os jogos com tabuleiros modulares, como Tikal, por exemplo:
Não poderiam faltar os tokens redondos que podem servir, dentre opções quase infinitas, como marcadores de efeitos, poderes, recursos ou, mais comumente, moedas, à exemplo de 7 Wonders Duel, Terra Mystica, Concordia, etc.:
A Creative Game Box também traz um tabuleiro retangular que se dobra em quatro partes, com boa espessura:
Como eu falei anteriormente, os kits fornecem folhas adesivas destacáveis para personalização dos itens cartonados, como os tiles quadrados, hexagonais e as cartas, por exemplo:
Uma das opções mais legais do financiamento coletivo era a de substituir o plástico das peças por madeira. Opção esta que, apesar de mais cara, apresenta um resultado bem mais legal, tanto estética quanto ecologicamente (o ideal mesmo seria se fosse madeira de reflorestamento, mas não tenho essa informação).
A seguir, por exemplo, temos os cubos de madeira que me lembram, imediatamente, Pandemic (pelo menos nas versões mais antigas):
A CGB também traz fichas que podem servir de marcadores dos mais diversos tipos, como em trilhas de ponto de vitória, ou representando recursos diversos como, por exemplo, em Agrícola, na versão original:
Os peões podem ser bastante úteis também, como marcadores de primeiro jogador, por exemplo, mas me lembram mesmo os jogos de tabuleiro mais antigos, desde Ludo até Banco Imobiliário, nas edições da minha época:
Claro que não poderiam faltar bastante meeples e dados, a parte mais divertida, na minha opinião. Com os meeples, você pode pensar em fazer, quem sabe, um euro de alocação de trabalhadores com pouca sorte, tendo como exemplos Le Havre ou Trajan:
Com os dados, então, poderíamos desenvolver um divertido e descompromissado dicegame, abusando da mecânica push your luck, como visto em King of Tokyo, por exemplo:
Além dos componentes físicos, foram também incluídos em todos os kits dois itens digitais para download: o Guia do Ludonauta, que reúne diversos artigos de profissionais de desenvolvimento de jogos, separados em capítulos sobre ideação, prototipagem e produção, e uma coleção de Ícones Vectoria, que são 200 ícones prontos para ilustração de protótipos, dos mais diversos tipos.
A utilidade dos ícones para ilustração de protótipos é autoexplicativa, principalmente, para quem domina os programas de criação e edição de imagens, mas eu queria destacar mesmo o Guia do Ludonauta, por trazer artigos de desenvolvedores brasileiros bastante experientes e reconhecidos, como Marcos Macri (Chaparral, Jester) e Gustavo Barreto (Tinco, Don Capollo). O resultado foi tão bom e a nossa carência de materiais em português é tão grande que eu penso em fazer, no futuro, uma resenha separada sobre o Guia.
É importante falar ainda um pouco sobre a campanha de financiamento. Pois é, apesar de tudo isso que eu falei acima, quase que a CGB não completa o seu financiamento, ficando o mesmo garantido apenas no último dia, sendo que nenhuma das (diversas) metas estendidas fora batida, o que foi uma pena, pois vários itens legais deixaram de ser incluídos, como a ampulheta e o saco de algodão.
O jogo Paranauê, por exemplo, que foi objeto da campanha de financiamento mais recente da Ludens, foi financiado rapidamente, tendo batido todas as metas estendidas. Isso pode indicar que a era de ouro dos boardgames no Brasil ainda não está sendo acompanhada por um boom na formação de novos designers, sendo que o nosso mercado, infelizmente, ainda é fortemente baseado no consumo dos jogos importados.
Nesse sentido, é louvável o esforço da Ludens de não só lançar jogos nacionais de game designers novatos, mas também de criar ferramentas que ajudem em novos projetos, fica o bom exemplo para as demais editoras.
Para concluir, destaco o bom custo-benefício da CGB, já que a compra dos componentes físicos e digitais isoladamente sairia bem mais caro. Infelizmente, não foi informado se a editora pretende continuar a comercializar os kits, seria uma pena se não. De qualquer modo, espero que esta análise possa servir de inspiração até mesmo para quem quiser montar a sua própria ‘caixa’, com materiais caseiros, pois o que vale mesmo é a criatividade.
Por: Linauro. Apaixonado por literatura, música e jogos, desde sempre. Descobriu nos jogos de tabuleiro uma desculpa perfeita para passar mais tempo com amigos e pessoas amadas.
Imagens: acervo pessoal.