Fel Barros talvez seja o designer de jogos brasileiro mais conhecido e consagrado internacionalmente. Seu trabalho já se estende por vários títulos desde a época da Ace Studios até a CMON, com grandes lançamentos como Narcos, God of War, Space Cantina e Encantados. Esse sucesso no mundo dos board games o faz ter várias entrevistas ao longo dos anos, com muitos temas já explorados. Então vamos tentar propor perguntas diferentes e quem sabe rola alguma informação em primeira mão aqui no Bunker?!
Então vamos lá!
Sabemos como você começou no mundo dos board games, mas o que o fez querer criar um jogo?
Antes de começar, queria dizer que, indiscutivelmente , o maior designer brasileiro é o Sergio Halaban. Vencedor do Origins com o Sheriff of Nottingham, ele e o Zatz alcançaram o sonho de todo autor, ter um jogo "evergreen", leia-se, um jogo que está permanentemente sendo relançado. Dito isso, eu acho que uma das minhas grandes influências foi o Luish Moraes, lá do Ludocafé em BH. Eu já tinha um projeto , o Warzoo, feito somente por lazer em João Pessoa. Depois que vi ele fazendo o Recicle quase "caseiro", animei de tirar do papel.
Comecei a mexer os pauzinhos, fundei uma startup para trazer jogos pro Brasil acreditando no potencial do nosso mercado. Depois de uma frustração com uma licença que perdemos, decidi que era hora de tirar do papel o projeto. Já tinha a temática engatilhada (Revolução dos Bichos) , inclusive o nome "provisório" era Revolução dos Bichos. Depois de uma conversa com o Rômulo Marques (Gekido, Die, Die, Die), fomos de Zoo Wars para Warzoo.
Explorando um pouco mais da carreira de designer, como é o dia a dia dos projetos em que está envolvido?
É bem menos glamourosa do que as pessoas acreditam. O trabalho de design é sempre pautado por prazos. Em uma editora menor , talvez seja o lançamento em Essen ou no Diversão Offline , o prazo de entrega de um Kickstarter (como acontece bastante conosco) ou simplesmente o desejo de terminar. Por ter prazos, o dia-a-dia sempre vai envolver duas possibilidades muito distintas. Ou você está criando novo conteúdo ou você está "rodando uma iteração", leia-se playtestando aquilo que você criou. Em empresas menores, é muito comum o autor se envolver em outras etapas como direção de arte, lore e até mesmo produção, como foi o meu caso na época da Ace Studios.
Na sua participação no podcast do Renato, Nosso Work é Playar, vocês abordaram os steps que um jogo passa desde o pipeline até a publicação. Essa metodologia se aplica para quem está começando também?
Não necessariamente. Eu acho que a "beleza" de estar começando é o livre arbítrio e ter essa clareza de propósito: Por qual motivo você está fazendo isso? Você , iniciante, querendo só terminar um jogo, coloque um prazo, tipo , um ano e faça o que quiser com ele. Mas entenda que os passos que a gente falou no podcast vão existir depois que você terminar até ele nascer hehe.
Que tipo de skill acredita ser necessário para um designer trabalhar em uma grande editora?
Pessoalmente, eu não conheço nenhum autor que foi contratado para atuar criando jogos. É muito mais lucrativo para as editoras ter o contrato como freelancer pagando royalties. Dito isso, para você ser notado na indústria acho que o marco zero é você ter a habilidade de criar um bom jogo.A carreira dentro dos jogos de tabuleiro não necessariamente precisa ser como autor. Você pode ver pelas contratações da Galápagos que existem diversos perfis possíveis de atuação no país.
As contratações que vejo acontecer em empresas maiores são de desenvolvedores (falo disso no nosso work é playar) mas é basicamente alguém que refina o jogo. Aqui no Brasil temos o Marco Portugal (desenvolvedor do Ankh) , Leo Almeida (Bloodborne boardgame) e o Fábio Cury (desenvolvedor-líder do Song of Ice and Fire) como excelentes exemplos de líderes na área de desenvolvimento.
Na sua opinião, o que falta para o Brasil ter mais designers e jogos internacionalmente reconhecidos?
Tempo, bagagem e uma evolução natural dos autores. Tempo porque somos uma indústria muito nova, mal temos 10 anos de existência, o que é menor do a carreira de muitos autores internacionais. Bagagem porque a maioria dos autores é muito cru. Tanto em projetos finalizados quanto em lançamentos. Se você pegar as "estrelas em ascensão" como o Rodrigo (Rego) e o casal Bianca e Moisés , eles tem 1-2 jogos lançados fora e evolução natural porque leva tempo até você criar casca e virar um bom autor.
Ainda temos muitos jogos ruins, em diversos aspectos, especialmente arte/produção mas também mecanicamente bem abaixo do padrão de mercado internacional. E isso é uma "culpa" coletiva. Tanto das editoras que aceitam jogos sub-ótimos para lançar como dos próprios autores que ainda não tem a vivência necessária para tal. Dito isso, vejo uma evolução muito grande do nosso mercado graças a editoras como a Dijon, Conclave e principalmente a Grok fazendo bonito. Cartógrafos é sem dúvidas um dos grandes lançamentos de 2019.
Espero vermos mais "Jordy Adans" (cartógrafos), Fabio Tola (Corrida Maluca) e Alex Olteanu (God of War) no futuro.
Qual projeto mais gostou de participar na sua carreira?
Posso fazer um top 3? Difícil escolher um só. Diria que o Warzoo , por ter sido o primeiro, me ensinou demais. E foi um projeto tão dolorido , encarando muito hater e sofrendo as importantes dores do crescimento. O Narcos , um projeto que eu trabalhei com o Renato Sasdelli e o Fabio Tola como desenvolvedor e talvez seja o jogo que tenho mais orgulho dele como jogo em si. Foi um projeto bem díficil com uma reação inicial negativa por conta da temática 18 anos mas ele é muito querido em vários países.
E não posso deixar de mencionar também o Space Cantina que talvez tenha sido o jogo que me sedimentou como um autor de sucesso. Sou muito grato ao Warny Marçano por ter me dado essa oportunidade na época de trabalhar com ele. Fizemos um estrondoso sucesso no Kickante, ainda hoje acho um belo jogo e foi uma grande virada de chave na minha carreira.
Sobre o Trudvang, você comentou na entrevista para a Invasion BG que foi um projeto de quatro anos. Sua participação no projeto permeia todas as etapas de desenvolvimento ou fica focado em algumas etapas específicas?
Todas as etapas. No começo , foi um pitch meu e do Guilherme Goulart (Arcadia Quest/Starcadia Quest) para a Riotminds , depois tivemos a entrada do Eric Lang no projeto e hoje somos em 5 autores com o Fabio Tola e o Jordy Adan fechando o time principal. É até hoje o meu projeto mais ambicioso e espero que seja bem recebido lá na frente.
Ainda sobre o Trudvang, alguma característica do jogo que se orgulhe mais?
Sem dúvida os bolsos no tabuleiro. Foi uma idéia que surgiu numa conversa no metrô com o Guilherme e acho que é uma tecnologia que tem tudo para deixar sua marca no universo dos jogos.
Hoje você está envolvido e mais algum projeto além do Trudvang? Alguma novidade que pode nos contar para este ou próximos anos?
Por eu ter sido o primeiro a entrar na CMON, eu sempre me envolvo, em menor escala, claro, no máximo de projetos possíveis. O Trudvang consome muito do meu tempo mas além de participar de outros jogos, eu fiz alguns dos cenários do Zombicide que são publicados nas 6as feiras. É um jogo que eu adoro e espero me envolver mais com ele nos próximos anos.
Com essa atual crise internacional, como você vê o mercado de board games no Brasil e no mundo?
Acho que vai fechar muita empresa e muita loja ao redor do mundo. O tráfego de pessoas é uma característica muito importante para as lojas físicas e o aspecto social é algo muito marcante para os jogos. Ainda que seja um excelente passatempo em tempos de quarentena, o impacto do varejo e da distribuição será muito sentido ainda.
Sabemos da sua paixão por card games. Um dia veremos um card game no estilo Richard Garfield do Fel Barros?
Depois que eu me aposentar , talvez? Brincadeiras à parte, eu sempre advoguei contra os "estilo Richard Garfield" por serem jogos ambiciosos e grandes demais. A menos que num futuro distante a CMON decida me incluir num projeto desse escopo (acho pouco provável) , prefiro continuar na linha do Encantados e do Looterz, dois card games dos quais me orgulho muito de ter participado da criação e que acharam seu espaço aqui no Brasil.
Muito obrigado pela entrevista Fel! Desejamos todo sucesso para você na CMON e que venham muitos grandes projetos seus para nossas mesas!
Eu que agradeço a oportunidade. Adoro mídia escrita e foi um grande prazer dar essa entrevista para vocês, um forte abraço
Fel
Esse foi nosso papo com Fel Barros! Esperamos que tenham gostado porque temos mais entrevistas programadas para o Cultura Meeple. Se você gostaria de ver algum autor ou personalidade do mundo dos board games aqui no Cultura Meeple, deixe seu comentário!
Valeu e até a próxima!