** Você pode ler no formato original aqui
Como sempre, não vou detalhar muito as regras. Você podem encontrar isso em vídeos de YouTube e outros produtores de conteúdo.
É bem sabido que eu sou um grande hater de jogos cooperativos, minha última empreitada com esse segmento foi o CO2: Second Chance do Vital Lacerda, que apesar de até ser bom, não era bom o bastante pra eu deixar de jogar tantos outros jogos melhores (e não co-ops). Por algum motivo, The Grizzled sempre me chamou atenção, talvez pelo tema, talvez pela arte ou talvez por conta do destino. O fato é que enfrentar os horrores da guerra (de forma fictícia) junto com os meus amiguinhos, me parecia uma boa idéia. Ainda mais sem precisar ser cinco horas de tortura com um co-op ameritrash full size clássico, como Eldritch Horror (nome que faz sentido literalmente). De qual forma um EuroGamer como eu daria o braço a torcer? Era um co-op e eu quero euro, matemática, cubo de madeira e poder destruir meus oponentes. Imersão temática deixo para partidas de RPG.

Amizade? Será que quero isso pra mim?
Por um acaso do destino, em conversas com o @
marciusfabiani, ele falou como esse jogo era muito especial pra ele e que fez questão de comprar a versão
Armistício (na prática uma versão Deluxe, mas com ressalvas como veremos a frente) mesmo já tendo a versão antiga. Interroguei ele e me pareceu que o vínculo do tema, um jogo que fala sobre a superação dos sofrimentos da guerra através da amizade, com uma roupagem cartunista com a bela arte de
Tignous, assassinado no
Massacre do Charlie Hebdo, torna o jogo quase um tributo histórico às mazelas geradas pela brutalidade humana. Apesar do relato aumentar meu interesse, de uma forma um tanto mórbida confesso, não conseguia imaginar meu grupo entrando de cabeça nessa experiência quase "deprê". Mas, após enxugar minha coleção ao extremo me dei ao luxo de garantir uma cópia e literalmente
PAGAR PRA VER. Acontece que na largada já temos um problema:
Grizzled Base + Expansão VS Armistício
Se você quiser pagar pra ver você tem três opções:
- Jogo base (em Inglês).
- Jogo base + Expansão (em Inglês).
- Versão Armistício (Português).
Já adianto que
a expansão agrega muito na experiência e recomendo que você experimente o jogo com ela. A versão Armistício tem tudo embutido, porém ela é uma Campanha dividida em capítulos e inclusive com o resultado do capítulo atual podendo impactar o capítulo seguinte. A lógica da escolha ao meu ver é a seguinte:
- Se você não se garante em manter o mesmo grupo pra jogar do começo ao fim, ou tem uma rotatividade alta de jogadores, melhor a versão base + expansão. É só pegar tudo e sair jogando, além disso é uma caixa bem pequena e portátil que cabe a expansão junto. É a experiência "one-shot" perfeita.
- Se você tem um grupo fixo, a experiência temática no Armistício seria ainda melhor, já que entre os capítulos há uma contextualização histórica, e uma certa narrativa que se desenvolve. O revés é que para jogar "casualmente", não é tão prático: você teria que pegar as cartas dos capítulos e misturar tudo e desfazer tudo isso pra voltar para a campanha. Pelo que li você consegue uma experiência 90% próxima do que seria ao jogar com o jogo Base + Expansão.
Alerta! O jogo é dependente de idioma, porém uma folha A4 com a tradução das cartas (1/3 das cartas apenas) é o suficiente, e no meu caso foi o bastante na eventualidade de alguém não ter domínio da língua inglesa.
Feito a escolha, que no meu caso foi a versão
original + expansão, fica a pergunta. Vale a pena?
Cabe tudo em uma só caixinha. Satisfação.
Visão Geral
The Grizzled retrata a luta de um grupo de amigos para sobreviverem juntos até o fim da guerra. Não é um jogo complexo e de forma bem resumida, as decisões dos jogadores são:
- Jogar cartas da mão na mesa, que simbolizam os desafios da guerra: chuva, neve, noite, tensão das batalhas, gás mostarda e tiroteios. Se três desafios se repetirem a missão acaba, mas não o jogo.
- Algumas das cartas, às com dependência de idioma, adicionam traumas psicológicos no seu personagem. Por exemplo, você pode ficar com medo da Neve, fazendo com que a missão acabe para sua equipe com apenas dois desafios repetidos em vez de três. Se alguém adquirir quatro destes traumas o jogo acaba imediatamente. Seu personagem ficou emocionalmente destruído e não vai ter mais salvação.
Os desafios e traumas que deverão ser enfrentados pelos soldados.
- Cada jogador tem um amuleto da sorte que pode remover de jogo alguma carta de desafio específico, como por exemplo a chuva.
- A medida que as rodadas andam, os jogadores ganham frases motivacionais adquiridas através da experiência em combate. Com ela, é possível anunciar um tipo de desafio e todos que tiverem a referida carta podem removem ela da mão.
- Cada um tem a opção de recuar, e neste momento escolhem se vão ajudar o jogador a sua direita ou a esquerda, preparando um cafezinho pra ele quando este voltar da batalha. Quando todos recuarem (ou a missão falhar), o jogador mais escolhido (e apenas ele, desconsiderando empates) pode voltar a usar seu amuleto e remover 1 ou 2 cartas de traumas psicológicos que ele tenha.
Café, frases e amuleto. Note a belezura da arte emanando carisma no jogo.
- A expansão adiciona missões específicas para cada rodada, que devem ser escolhidas pelo líder (jogador inicial). Essas missões adicionam regras extras que podem ser favoráveis, mas na maioria são desfavoráveis aos jogadores. Isso agrega muito ao jogo.
A única vez que vencemos, foi por causa daquela primeira missão que apareceu na última rodada. O título fez total sentido.
O desafio, levando em conta esse simples conjunto de regras é que nenhum jogador pode comentar as cartas da sua mão e indicar quem irá ajudar durante a etapa de recuar. Um jogo que na teoria é
imune contra alpha players. Porém ainda assim, há muita comunicação durante o jogo: lembrar quais desafios já estão na mesa, quais os traumas já adquiridos por jogadores e sugerir o momento certo de recuar. É uma linha tênue até que ponto a comunicação está dentro das regras e quando alguns comentários indiretamente estão vazando informações. O fato é que na prática, acaba funcionando.
E a pergunta não quer calar, como o
EuroGamer se sentiu nesse mundo que suas ações não geram pontinhos?
Diversão na Trincheira
Já devo ter mais de
quinze partidas, um jogo que dura entre 30 min e 1 hora com cinco jogadores
APzeiros. O destaque que colabora pra diversão é o fato dele ser
muito difícil, só venci uma única vez ao jogar três vezes seguidas com uma mesma equipe, e talvez, só talvez,
tenhamos roubado um pouquinho, justamente nessa linha tênue de que "até que ponto a comunicação é válida".
Vou dar um exemplo desse conflito moral sobre até que ponto a comunicação é válida: um dos
traumas psicológicos que deixa o jogador
Orgulhoso obriga que ele só possa recuar quando todo mundo já tiver recuado, isso acaba gerando um efeito bomba relógio já que pode gerar uma situação em que o jogador é obrigado a jogar uma carta que vai fazer o jogo acabar. Ai nesse caso, é válido lembrar os outros dessa situação? Isso não acaba sugestionando qual jogador deve ser ajudado na fase de recuar para ter seu
trauma curado? Essa é a tal linha tênue que o manual não deixa claro, mas que na prática não impacta na diversão,
pois mesmo "roubando" é difícil pra caramba. Essa dificuldade quase exagerada, gera o efeito "vamos tentar de novo" que é muito bem vindo.
O jogo apresenta elementos de
push your luck, já que algumas cartas são armadilhas que fazem uma nova carta ser automaticamente jogada do baralho, gerando a tensão da terceira carta igual aparecer e acabar a missão. Esta mecânica, que não funciona muito bem em jogos longos por gerar frustração, nesse caso gera risadas em vez de frustração durante as falhas, afinal
todos estão no mesmo barco.
Aceitação geral e Tema Deprê
Quanto ao tema, acho que isso acaba dependendo de como seu grupo encara a experiência. No meu caso todas as partidas foram numa vibe
Esquadrão Classe A. Jogador fazendo jogada errada, não lendo a mesa e todo mundo rindo do desenrolar de decisões mal feitas. Consegui encaixar o jogo em todas as mesas, com pessoas de diferentes backgrounds. O tema militar ao meu ver acaba agregando na experiência de "estamos juntos tentando vencer essa guerra", se o tema fosse
Master Chef acho que perderia um pouco, mas o lado melancólico teve zero impacto e pode ser jogado em qualquer contexto.
A vitória no jogo é quando a carta de paz aparece e a derrota, o túmulo. Tema transborda nas pequenas coisas.
Joguei o jogo com vários gamers hardcores, inclusive outros que não gostam de co-op como eu e todos até então gostaram. Não teve um caso sequer de alguém que achou a experiência ruim. Sempre houveram risos, tensão e derrotas seguidas da vontade de voltar para a batalha.
Nem Tudo São Flores na Guerra (Óbvio)
Minha única crítica ao jogo, é o sentimento de ser
scriptado, mas de uma forma sutil. Não tenho certeza ao certo, mas já joguei bastante e esse sentimento esta lá. Muitas vezes (mas nem todas) as decisões são "óbvias": você deve jogar o máximo de cartas que puder e
recuar. É justamente nesse momento de recuar que é
diferenciado bons jogadores de mal jogadores, através da mêcanica de
decidir quem vai ser ajudado com o cafezinho. Talvez a vitória de todas as partida
seja decidida apenas através dessa única mecânica e todo o resto foi só uma ilusão. Lendo assim parece grave, mas na verdade é algo bem sútil e você precisa ter jogado algumas várias vezes pra ver isso nas entrelinhas, e mesmo assim, ainda continua bem divertido.
A expansão melhora um bastante o fator "estratégico" com a inclusão das
Missões. Algumas colocam decisões difíceis para os jogadores, como por exemplo alguém ter que comprar mais cartas para que um efeito negativo da missão seja removido. Isso pode gerar uma comunicação interessante (e dessa vez válida) na mesa. Além disso ela corrige um problema que poderia acontecer no jogo base: alguém comprar apenas
Traumas Psicológicos como cartas na mão, o que quase sempre desencadearia o fim do jogo por incapacitação do infeliz azarado. A expansão permite o
recuo tático em que o primeiro jogador à recuar devolve uma de suas cartas para a pilha de jogo.
Um último insight: como você não pode falar sobre as suas cartas e dizer quem vai ajudar, muitas vezes o
óbvio acaba ficando na cabeça de cada jogador, que pode inclusive pensar diferente.
E é ai que vem a leitura de mesa, e a diversão proporcionada quando isso inevitavelmente falha.
The Grizzled foi uma grata surpresa na minha coleção e provavelmente vai durar um bom tempo (ou para sempre como xodó). Um jogo Co-Op leve, mas nem tanto, que agrada heavy gamers e que gera boas risadas, recomendo
fortemente pra quem tem preconceito contra CoOps como eu mesmo (e continuo tendo). Mesmo com as "possíveis" falhas citadas, é um jogo que tenho
muita animação para jogar e já vi inclusive substituir jogos "grandes" numa noite de jogatina. Uma pequena pérola da indústria.
Junte seu grupo EuroGamer preferido e tentem sair vivos,
juntos, dessa guerra.
O canal Spiel des Djows aprova uma boa guerra de mentirinha