No mês em que se celebra a consciência negra, que tem como um dos seus principais símbolos Zumbi dos Palmares, vou apresentar algumas questões históricas que serviram como base e inspiração para o desenvolvimento do jogo. Durante o processo, ora os elementos históricos me guiaram para uma solução de design, ora algumas necessidades do processo de criação me fizeram pesquisar por novos detalhes na história de Palmares.
A LAGOA ENCANTADA DOS NEGROS
Um local de suma importância para os quilombolas em Palmares era a Lagoa Encantada dos Negros ou, simplesmente, Lagoa dos Negros. Conforme o site do Parque Memorial Quilombo dos Palmares, a lagoa "representa a purificação da vida, onde os quilombolas palmarinos repousavam e saciavam a sede, afiavam suas armas e ferramentas, e alimentavam suas almas com a presença do supremo através da energia natureza à sombra da Gameleira Branca". Ou seja, a Lagoa dos Negros era, e ainda hoje é, um local de revigoramento físico, emocional e espiritual.
Quando eu descobri a existência dessa lagoa, as regiões do tabuleiro já estavam bem definidas. A área de Palmares funcionava bem com os seus 10 mocambos, porém eu sabia que ela era importante demais para ser ignorada.
Durante o processo, houve algumas tentativas malsucedidas de tornar a lagoa um ponto de fuga para os quilombolas ao serem atacados por um capataz. Em paralelo, eu ainda lidava com a maior dificuldade de balanceamento do jogo: quando um jogador tinha um dos seus quilombolas eliminado por um capataz, ele praticamente estava fora da disputa pela vitória.
Para tentar reequilibrar o jogo, criei um conjunto de cartas de habilidades que seriam adquiridas se um jogador fugisse ou perdesse um quilombola em combate. A inclusão das cartas e os seus poderes fizeram bastante sucesso durante os testes, entretanto o modo de adquiri-las através de um revés (morte ou fuga) causava estranheza e confusão, além de não cumprir o objetivo de balanceamento. Desse modo, os jogadores passaram a receber uma carta quando o seu quilombola eliminava um capataz ao invés de quando fosse eliminado. Isso proporcionou um ganho temático e na experiência do jogo, porém o problema anterior da morte de um quilombola permanecia sem solução.
Após mais alguns testes, percebi que seria possível unir a importância histórica da Lagoa dos Negros com a necessidade de balanceamento após a morte de um quilombola. Tal como acontece em jogos de cultura nórdica, por exemplo, nos quais os Vikings quando morrem vão para Valhala e geram algum tipo de benefício para o jogador, um quilombola quando morre vai para a Lagoa dos Negros, pois ele nunca será esquecido pelo seu povo, ao contrário, a sua memória permanecerá viva ali e dará forças para que o quilombo continue a sua luta. Sendo assim, esse local de transcendência e revigoramento concede um movimento a mais para o jogador por cada quilombola eliminado.
Desde então, presenciei diversas partidas em que os jogadores que perdem alguns quilombolas conseguem se recuperar na partida e competem de modo igual pela vitória com os demais jogadores. Além disso, o momento em que apresento a importância da Lagoa dos Negros, na história e no jogo, costuma ser o ápice da explicação das regras, em que faz as pessoas se encantarem com a união harmônica entre temática e game design.