Lisboa foi, sem sombra de dúvida, o lançamento mais esperado da história dos boardgames.
Afirmação inquestionável, afinal… (1) Vital Lacerda é um gênio capaz de vincular como ninguém tema às mecânicas do jogo, (2) a produção da Eagle-Gryphon Games é o mais próximo que se pode chegar de impecável, mas mais relevante pra afirmação (3) alguns pré-compradores realizaram sua compra em 5 de dezembro de 2016, e receberam em 20 de dezembro de 2017. Um ano. Mais de um ano.
Mas tudo bem… página virada… “chegou no Brasil, agora vai!”. Claro que não sem mais lambança… priorizaram os lojistas (ao invés dos que compraram na pré-venda direto com eles), enviaram código de rastreio errado, mas tudo bem. Afinal, o que importa é o jogo… página virada.
Aí vem a surpresa (outra?): removida a terceira camada do player board. Sem aviso prévio, e sem disclaimer na divulgação da pré-venda. “Ah, mas foi pra não envergar os tabuleiros, foi pensando em VOCÊ, jogador!”. Ah, então tá bem bom. Página virada.
Chegou. Foi pra mesa. Mas e aí?
E aí que é tudo que eu esperava. Não, não… vou me corrigir: é MAIS do que eu esperava. O jogo é lindo. Fantástico. De uma simplicidade brutal: jogue uma carta em uma de três formas possíveis, acione uma ação e seus efeitos, compre uma nova carta, passe a vez. Ao mesmo tempo, de uma complexidade sufocante: esta ação permite que eu receba esse recurso, me faz descartar aquela carta já que não tenho espaço válido, ativa esta ação do estado que gera aquele recurso e ainda me permite pegar aquele token que… bom, você entendeu. Não entendeu? Pois é… é Vital Lacerda, não é pra entender de primeira não.
O jogo é amarrado. O tema é vibrante e presente em cada decisão. Os recursos são apertados. Os caminhos pra vitória… soltos. Muito soltos. Soltos demais, para alguns. Dizem que falta direção, falta propósito. E aí eu discordo: só falta direção se VOCÊ não escolhe uma direção. Só falta propósito se você não tem um propósito. Dá pra investir em produção? Dá sim, mas produzir demais desvaloriza os itens que estão no mercado. Dá pra investir em construir? Dá, mas lembre que construir muitos comércios nos lugares errados dá prejuízo, e às vezes construir poucos comércios nos lugares ideais é sinal de sucesso. Dá pra ignorar a importância da influência e focar em ser um ótimo construtor? Aham, dá sim, mas lembre que um ótimo construtor sem uma boa influência pode ter uns “probleminhas politicos” e seus projetos saírem mais caro do que deviam. Lembra um pouquinho o mundo real? Pois é… é Vital Lacerda, tema é tudo na sua obra.
E se tema é tudo, que história é essa de perucas? Elas eram sinal de status naquela época. Ter uma bela coleção de perucas era motivo de orgulho na Côrte. “Ah, mas isso aí é tema colado!”, você pode pensar… mas não. Quando você começa a mergulhar em cada uma das camadas desse monstro-Lisboa, e são MUITAS camadas, você percebe que a Igreja exerce uma influência e um poder intenso sobre a sociedade da época, mas… pensando bem… o Estado precisa de força, então descentralizar o poder da Igreja pode lhe conferir prestígio com a Côrte… tá lá nas mecânicas. No jogo em que jogamos os caras abusaram no poder politico, dedicando vários recursos pra Côrte, o que atrapalhava os adversários que queriam só uma reuniãozinha honesta com os Nobres e pra isso, por causa disso, tinham que usar – gastar! – muito mais de sua influência. Faz sentido? Faz. Pois é…
“Mas eu não tô nem aí pra tema”, os mais ávidos podem afirmar. “Eu sou eurogamer, quero saber das mecânicas!”.
Redondas. Redondinhas. É um passeio no parque? Não! Jamais!!! É uma viagem longa, paciente, por uma estrada tortuosa, desconhecida e tomada pela neblina. Mas sem buracos. E acho que essa era a intenção do autor. “Explore, jovem!”, ele deve ter pensado. “Explore, porque em Lisboa depois de terremotos, tsunamis e incêndios nada é simples ou fácil”. Afinal, estamos (re)construindo a capital de uma das maiores potências marítimas do Velho Mundo sobre os escombros, com os escombros, e ainda administrando as vaidades da Côrte, o poder da Igreja, as demandas mercantís, a influência política… pois é, é Vital Lacerda.
Mas e aí, afinal… é melhor que Vinhos? É melhor que The Gallerist? Pra mim jogar Lisboa foi como contemplar uma bela obra de arte, degustando de um bom vinho. Só que ainda melhor!
*** Aqui acaba esse pseudo-review, e vamos pro choque de realidade: no Brasil, o lançamento foi da Mandala Jogos! ***
O que isso quer dizer? Quer dizer que esses foram os mesmos caras que fizeram tanta bobagem nos seus primeiros lançamentos que precisaram MUDAR o nome da empresa (sim, a Mandala tinha outro nome, desavisados!). Pra ver se o consumidor esquecia da sua lista sem fim de erros. O que é a segunda melhor estratégia pra enganar os boardgamers (a primeira é anunciar um novo lançamento pra abafar os erros do atual).
“Ah Barba, mas os caras aprenderam com seus próprios erros e evoluíram….”.
Claro. Vamos lá… fé, homem! (Já falei das lambanças do lançamento? Já!)
Então vamos falar dele na mesa.
Unboxing, e de cara a qualidade do papel dos manuais já tem aquela consistência de flyer de semáforo. Vai se desmanchar depois de três partidas. Mas tudo bem, minor.
Cartas péssimas. Pequenas diferenças de coloração, mas não dói muito, e a carta de baixa qualidade dentro do sleeve… tolerável. Começa a ficar cara essa lista de tolerâncias pra um jogo de mais de 400 reais. Mas… sejamos pacientes, são só 400 reais.
Uma casinha mal cortada. Faz parte. Até as editoras gringas fazem isso.
Tokens do cléro descascando nas costas. “Ah, mas eles vão em um saquinho, tudo bem”. Claro…
Token de prédio público descolando a camada externa. “Ah Barba, deixa de ser chato”. Claro… só 400 reais.
Aí vem aquele momento mágico… player boards. Ahhhh, quanta benevolência dos senhores da editora… removeram a terceira camada – e agora eu tenho que levantar o tabuleiro cada vez que eu vou colocar uma carta ali – pra evitar que o tabuleiro envergue (?). Certamente os engenheiros de produção da Mandala são muito mais capacitados do que os da Eagle-Gryphon Games e encontraram essa solução GENIAL – que não teve nada a ver com economia – e os meus tabuleiros estão salvos desse mal. Obrigado, Mandala! (veja as fotos tiradas ONTEM, depois de 30min de jogo)


E “obrigado” a todos que se posicionaram em outro post polêmico a favor da editora. Espero que agora eu tenha propriedade suficiente, segundo a avaliação de vcs.
Nosso mercado de boardgames ganha muito com editoras com essa postura. Que venham os próximos lançamentos da Mandala!!!!
Página virada. São "só" 400 reais.