Por Romulo Marques
Para muitos, eu inclusive, game design é uma atividade paralela ao trabalho do dia a dia, aquilo que convencionamos chamar de “carreira”. Entretanto, nossa visão do que é o trabalho do game designer fica muito restrita à criação e desenvolvimento de títulos para o mercado de entretenimento. Por isso, vou falar um pouco sobre outro segmento onde um game designer pode atuar: jogos transformacionais, chamados também de “serious games”, simulações etc.
Sem me alongar muito em definições disso ou daquilo (existe uma literatura bem farta sobre o assunto) gostaria de falar brevemente sobre um ponto de “diferença” que me chama atenção. Por mais que não seja uma regra escrita em pedra, os nomes desses tipos de jogos nos oferecem um caminho. Jogos de entretenimento estão preocupados com rejogabilidade, um título de sucesso tem que te divertir várias vezes. Já os jogos transformacionais têm por foco provocar alguma transformação no indivíduo após sua conclusão, seja entregando algum tipo de conteúdo ou estimulando uma determinada habilidade. Não por um acaso, esse enfoque transformacional é o que tem maior entrada como ferramenta pedagógica corporativa.
Capcioso, não é? Afinal, jogos, de maneira geral, não podem provocar uma transformação individual? Correto. Então jogos transformacionais abrem mão da diversão? Errado. Vamos ver um exemplo de como isso se aplica:
FreshBiz
(http://www.freshbizgame.com/)
Esse ganhou prêmio e é super badalado, coisa de louco, vi rodando aqui no Brasil em eventos de BPM. A estrutura dele é a do Monopoly - segura o vômito e me acompanha -, mas o objetivo é bem diferente: em 60 minutos todos os jogadores devem ter cruzado a linha de chegada. Olhando como gamer, soa bobo, mas vamos entender como um jogo transformacional cujo propósito é dar uma sacudida na mentalidade da galera.
1 - É cooperativo. Para gamer “meh, mais um”, para a galera não gamer “só ganha se todo mundo ganha? WTF?!?”. O impacto que isso tem na cabeça da galera já é sensacional.
2 - É “tempo real”. Força diálogo e eficiência. Em mais ou menos 20 minutos de jogo, as pessoas começam a se coçar e tentar acelerar a partida, quando pode ser tarde demais. Tremenda lição sobre trabalho em equipe com prazo.
3 - Minha favorita: é sobre explorar o limites. A regra máxima, explicada logo no começo é que “se não existe uma regra contra, então você pode fazer”. As regras do jogo são muito enxutas de propósito, criando espaço para você fazer uso criativo delas. O resultado disso é o puro suco do pensamento lateral.
O jogo é “pausado” quando o cronômetro chega a 30 minutos. Então os facilitadores perguntam “até onde vocês foram, é possível atingir o objetivo em mais 30 minutos?”. Acreditem, nessa hora bate muito desespero. É oferecida então uma “consultoria” dos facilitadores. Se você paga a consultoria (com o dinheiro de mentirinha), recebe excelentes dicas de como explorar os recursos do jogo para atingir o objetivo.
No fim das contas, a transformação prometida é justamente a pessoa se livrar de um monte de conceitos pré-concebidos de “o que é um jogo” e entender que existe uma “forma melhor de jogar” que se aplica para a vida, com mais cooperação, mais criatividade na resolução de problemas, ficando mais atento às “falsas restrições” que nos sabotam tantas vezes.
Se fosse jogo de entretenimento, não duraria mais do que duas partidas com um mesmo grupo, pois depois que você entende a mensagem da mecânica, não existe um desafio real. O desafio todo estava na sua forma “engessada” de interagir com o jogo.
Instigou? Comenta aí para a gente trocar idéia. Quero saber se vocês têm interesse nesse tipo de conteúdo!
Postagem original: 14/09/2016, na fanpage da Mansão