Texto publicado originalmente no canal Flynns.
Ah, outubro/2016. Mês de eleições municipais. Época de discursos, empossamentos e renovação das mesmas promessas de sempre - só que agora mais "polidas" e "oxigenadas". Período marcado pelo (in)sucesso de subcelebridades oportunistas, pela fanfarra de santinhos (ou seriam capetinhas?) e por outras coisas esdrúxulas, como o voto obrigatório, por exemplo ¯\_(ツ)_/¯
É... Nestes tempos em que vivemos, onde muitas fichas limpas têm textura e finalidade similares a de um papel higiênico chinfrim, é difícil ser otimista com a política, embora o exercício da cidadania continue sendo imprescindível para aqueles que sabem o poder que a tecla "confirma" exerce ao cômputo de cada voto.
E é nesse contexto que vamos deixar aqui algumas recomendações apropriadas para despertar aquela persona crítica, negociadora e malandra que existe dentro de você. Vamos falar de jogos com pegada política... gerenciamento de recursos, estratégias, trairagem, negociação e uma dose módica de oportunismo são elementos que integram, em maior ou menor escala, a proposta dos games abaixo.
Assim, para os eleitores aqui presentes, deixo registrado meus votos para uma boa diversão e para partidas mais democráticas e participativas, na medida do possível 
Xadrez moderno (século XV)
Inspirado em jogos persas e indianos da Antiguidade e tendo passado por diversas reformulações ao longo dos séculos, o xadrez moderno, mais do que um "jogo de cavalheiros", é um esporte reconhecido internacionalmente e um excelente instrumento para exercitar o planejamento estratégico, tendo influenciado o surgimento de toda uma gama de jogos analógicos e digitais.
Acredito que esmiuçar as regras enxadrísticas seja desnecessário. Mas, se levarmos em consideração a proposta deste artigo, é fato que um cenário no qual os jogadores disputam influência e domínio do território, sacrificando peças e movimentando-as pelo tabuleiro, tudo para derrubar o rei adversário, encontra certo paralelo nas discussões da Câmara dos Deputados e na premissa da série House of Cards xD
Imbuído de uma alta dose de estratégia e totalmente integrado a mecânicas de gerenciamento de recurso e de tempo (acrescido aí o maldito tiquetaque dos relógios de competição), o Xadrez abre a lista como um perfeito jogo de guerra, que há gerações vem queimando neurônios dos seus praticantes, sempre com resultados benéficos para o raciocínio lógico e situacional – atributo que, convenhamos, deveria ser melhor empregado pela ampla maioria dos políticos brasileiros.
A Guerra dos Tronos: Board Game (2011)
Inspirado no universo ficcional criado por George R. R. Martin, A Guerra dos Tronos: Board Game, trazido pela Galápagos Jogos, congrega tudo aquilo que marcou a saga literária e a série da HBO: traições, confabulações, intrigas políticas e embates militares.
Ao colocar de 03 a 06 jogadores como líderes de uma das grandes Casas dos Sete Reinos de Westeros, este board game brinca com a empatia dos players, forçando-os a empreender diálogos diplomáticos, formalizar parcerias e apunhalar os elos mais fracos quando oportuno (isso se a sua índole não impor barreiras morais, como geralmente acontece), dando espaço para muito bate boca e reviravoltas improváveis, onde a confiança e integridade de cada um é colocada à prova em muitos momentos.
Baseado na resolução de efeitos de cartas, coleta de recursos, conquistas de territórios e recrutamento de soldadinhos para aquelas batalhas mais sangrentas, A Guerra dos Tronos: Board Game é sempre uma experiência complexa, demorada e imprevisível... Mais ou menos como figuram as reuniões parlamentares de nossos dias e a "espetacularização" dos processos judiciais contra os poderosos do nosso país, já que, tanto na vida real como no ambiente lúdico (e sacana) do jogo, ninguém sabe muito bem como a treta vai acabar.
Diplomacia (1959)
Clássico roots da Grow, Diplomacia é um título que coloca de 02 a 07 jogadores no controle de grandes potências do período pré-Primeira Guerra Mundial, tendo como diferencial o fato de que cada participante pode "recriar" os acontecimentos históricos da época sob diferentes estratégias diplomáticas e militares, mudando o curso dos acontecimentos numa escala hipotética e repleta de tensão.
Levar a Alemanha à vitória, impedir o desmantelamento do Império Austro-Húngaro, tocar o terror com os otomanos... tudo isso é possível dentro do ambiente do jogo, que possui alguns elementos típicos de War, embora com um conjunto de regras bem mais extenso.
Mover exércitos, controlar centros de abastecimento e construir unidades são as principais ações que marcam uma partida de Diplomacia. Estratégias de cerceamento, invasão de fronteiras e muitos, muitos conflitos traduzem a experiência de jogo, que costuma durar várias horas. Além disso, a proposta militarizada do jogo também vê ecos em muitas políticas de intervenção internacional adotadas por potências contemporâneas, que buscam cada vez mais ampliar o alcance do próprio poder, seja pela intimidação ou pela guerra, num ciclo nocivo e historicamente vicioso.
A Conta da Copa é Nossa! (2014)
E já que estamos falando de jogos com temática política, vamos citar aqui um que não tem medo de meter o dedo na ferida! A Conta da Copa é Nossa!, lançado pela Quereré Jogos, é um tabletop card game indicado para 02 a 04 jogadores, que faz um crítica feroz contra os gastos exorbitantes e as corruptelas que marcaram as obras da Copa do Mundo de 2014.
Nele, cada jogador representa uma grande empreiteira cujo objetivo é obter o maior lucro possível com as obras superfaturadas da Copa. Para isso, eles terão que comprar a influência de governantes e famosos pra fazer com que favores sejam cumpridos e as maracutaias saiam do papel.
Pautado no gerenciamento de recursos e no ganho de benefícios (o mecanismo de licitações cumpre bem esse papel), A Conta da Copa... se destaca por abordar temas polêmicos em sua proposta e também pela arte caricata, zoando personalidades reais. Mais do que isso, é um manifesto crítico e corajoso, concebido numa interface lúdica que contesta o jeitinho brasileiro de forma pra lá de contundente, a ponto de nos fazer questionar se existe mesmo algum legado deixado pelos últimos eventos sediados no Brasil, a não ser pelo inenarrável 7 x 1.
Twilight Struggle (2005)
Lançado no Brasil pela Devir, Twilight Struggle explora um dos maiores conflitos políticos da História: a rivalidade ideológica, comercial e armamentista deflagrada entre EUA e a URSS, durante a Guerra Fria.
Específico para duas pessoas, Twilight Struggle não foge do script de movimentar unidades, dominar territórios e coletar recursos, mas o faz de modo extremamente desafiador, onde qualquer decisão mal tomada pode resultar na perda de influência sobre o mapa que ilustra o tabuleiro (confira o unboxing aqui). Além disso, cartas de evento também adicionam charme e contexto à competição travada pelos jogadores, perpassando momentos emblemáticos do período, como a Crise dos Mísseis de Cuba e a Guerra do Vietnã, por exemplo.
Dinâmico, difícil e superestratégico, eis um jogo que denota que, independente da ideologia política, o interesse maior continua sendo o poder. Um pensamento simples e egocêntrico, mas que parametriza boa parte dos ditames políticos que conhecemos hoje, infelizmente.