por Lucas Andrade - PUBLICADO EM http://onboardbgg.com/2015/07/10/sobre-a-mesa-alchemists/

Ah! As artes alquímicas… Ciência para alguns e que inclusive implementou e aprimorou diversos processos químicos laboratoriais utilizados até hoje. Fantasia, charlatanismo ou misticismo para outros. Independentemente da perspectiva, a vida do alquimista não é fácil. Pelo menos não dos recém iniciados.
Entre coletar os próprios ingredientes na floresta, vender poções para todo tipo de aventureiro desconhecido, muitas vezes sem ter certeza dos resultados que serão obtidos, e de quando em vez ser a própria cobaia de seus experimentos, existe ainda a pressão acadêmica em publicar suas teorias e sofrer o escrutínio dos concorrentes. Em meio a tudo isso, é necessário estudo. Muito estudo. Experimentação e dedução são parte do dia a dia do alquimista que deseja ser respeitado em meio à comunidade.
Este é Alquimistas, jogo trazido ao Brasil este mês pela DEVIR, um dos grandes sucessos desde seu lançamento internacional no final do ano passado, subindo no ranking do boardgamegeek mais rápido do que vapor de poção de sapo com mandrágora. Ele já é Top 70. Adicione a este caldo uma pitada de polêmica pelo uso de um aplicativo para celular/tablet/computador e temos um título que é manchete garantida.
Mecânica
– Gerenciamento de mão
– Compra de cartas
– Memória
– Pontos de ação
– Leilão
Antes de falar dos elementos mecânicos comuns a outros jogos, como distribuição de pontos de ações ou leilão, precisamos falar sobre a dedução. Deduzir também não é exclusividade de Alchemists, mas é aqui aplicada com grande força e diferencial temático.

Componentes. Celular não incluído!
O jogador alquimista estuda a fabricação de poções, a saber, poção de cura (vermelha positiva), veneno (vermelha negativa), velocidade (verde positiva), paralisia (verde negativa), sabedoria (azul positiva), insanidade (azul negativa) e neutra, um caldo inútil. Para obter as poções, são misturados dois dentre oito ingredientes: samambaia, pé de galinha, cogumelo, flor de lótus, mandrágora, escorpião, sapo e pena de corvo.
Cada ingrediente possui uma composição química própria, um alquímico, pense em uma espécie de molécula composta por três componentes. Um componente azul, um vermelho e um verde. Associou o alquímico com uma molécula? Ótimo! Pense nos componentes como se fossem os átomos com cargas positivas ou negativas. Existem ainda “cargas” maiores ou menores. E perdoem-me as licenças científicas!
Vamos supor que o ingrediente escorpião é formado pelos componentes vermelho positivo pequeno, azul positivo grande e verde negativo pequeno, conforme a imagem ao lado. Nenhum dos jogadores sabe qual a composição alquímica do artrópode no começo da partida. Eles conhecerão apenas o tipo de efeito gerado ao misturar escorpião com outro ingrediente. Se for misturado com samambaia, por exemplo, e ela for composta por vermelho grande positivo, verde pequeno negativo e azul grande negativo obteremos uma poção vermelha positiva, uma poção de cura. Por quê? Porque a alquimia aqui agrupa componentes com a mesma cor, desde que tenham o mesmo sinal e tamanhos diferentes. Escorpião tinha vermelho pequeno positivo; samambaia, vermelho grande positivo. Cor igual, sinal igual, tamanhos diferentes e temos uma bela poção curativa!
Vários modos para a mesma poção
Estou explicando do modo inverso para esclarecer como funcionam as reações. Sugiro que seja a primeira coisa informada aos novos jogadores. Na partida, o que acontece é que você pega uma carta de escorpião, uma carta de samambaia, escaneia ambas e o aplicativo dirá apenas que você conseguiu uma poção vermelha positiva. Com isso você tem certeza que os componentes vermelhos de ambos os ingredientes são positivos, mas ainda não sabe qual o tamanho de qual e muito menos o que se passa nas cores verde e azul. Se você pretende publicar uma teoria sobre as propriedades da samambaia é bom realizar mais testes com ela, até porque existem quatro misturas que geram a mesma poção!
Aí você poderia pensar que de uma partida para outra bastaria ir decorando os componentes dos ingredientes e levar vantagens crescentes. Errado! Para cada ingrediente é associado um alquímico, conforme comentei mais acima. Temos, pois, um caso de permutação simples da análise combinatória com 40320 possibilidades! O aplicativo tem estas combinações armazenadas e a cada sessão gera um código atribuindo um alquímico a um ingrediente distinto, forçando você a começar tudo do zero!
E nem comecei a falar da partida! Pedirei licença ao leitor para não esmiuçar o que acontece após tanta teoria. Vejamos algumas ações comuns. Alquimistas é basicamente um jogo de distribuição de pontos de ação, no qual colocamos cubos em áreas do tabuleiro para realizar a ação desejada. Ao contrário do que é frequente, aqui não bloqueamos o espaço para os oponentes já que temos nossas próprias fileiras de alocação. As ações possíveis são:
Coletar ingredientes: um para cada cubo alocado.
Visitar o alquimista: trocar um ingrediente por uma moeda. Este alquimista visitado já é um mestre, sabe transformar outras coisas em ouro.
Belíssimo tabuleiro
Vender poção para os aventureiros: aqui existe a possibilidade de frustrar os planos alheios, oferecendo melhores descontos e mudando, assim, a ordem do turno. Você ainda pode tentar tirar vantagem da venda e fazer testes em cima da hora, na cara do cliente. Resultados ruins derrubarão sua reputação. Cuidado! Respeite o cliente!
Comprar artefatos: amuletos, baús, medalhões, todo tipo de apetrecho místico que garantirá vantagens ou pontos.
Testar poção em um estudante: sim, você tem coba… digo, discípulos para provar suas novas fórmulas. Resultados ruins farão com que eles cobrem pelo serviço. Amor à ciência tem limites!
Testar poção em você mesmo: para aqueles momentos sem dinheiro, mas esteja preparado para surtos psicóticos, paralisia ou veneno.
Publicar ou embasar teoria: espaço no qual você postula suas descobertas, atribuindo selos de qualidade a suas pesquisas, ou passa a ser co-autor do trabalho de outrem. Para não perder pontos, tenha certeza de suas pesquisas. Espere a certeza e outros publicarão na sua frente!
Refutar teoria: palco de debates e espaço para provar, segundo suas próprias anotações que algum oponente está equivocado, talvez vítima da pressa.
Existem ainda conferências, exibições públicas, leilão de ordem de turno, favores, bônus… Tudo em busca da maior pontuação através de reputação, basicamente.
Considerações Finais
Começarei pelo que sempre falo quando me perguntam o que achei de Alquimistas: um dos jogos que mais me impressionou nos últimos meses! E por vários motivos.
O processo necessário na dedução dos alquímicos é fabuloso. Gosto de jogos de dedução, mas estes envolvem, geralmente, papéis escondidos ou localizações de pessoas. Utilizar dedução, lógica básica e probabilidade em um tema destes? Uau! Graças as deduções que precisam ser feitas, não há downtime, pois você sempre estará ocupado. Às vezes falta até tempo para analisar tudo. A maneira como o designer desenvolveu os alquímicos é invejável.
Mas a Pedra Filosofal aqui é o processo acadêmico, minha parte favorita. A mecânica de publicar teorias é muito interessante e empolgante. Você arrisca uma tese, observa as demais, verifica se são compatíveis com a sua. Em uma sessão debatemos longos e calorosos minutos sobre um possível erro na teoria da samambaia. Verificando dados novamente, desdobrando as implicações, pesando as consequências. Senti-mo-nos em uma mistura de filme de Harry Potter com curso de Química ou Botânica. E a tensão de que quando algo está em disputa e esperamos o resultado do teste? Fora o fato de alguém poder publicar algo como blefe para confundir os adversários ou atrair seguidores. Confesso que poucos jogos passaram uma sensação de tanta tensão e apreensão!
O ponto polêmico aqui seria o aplicativo e sou um dos maiores defensores do isolamento salutar que os jogos de tabuleiro promovem em meio a um mundo dependente de tecnologia para tudo. Mas afirmo com tranquilidade que seu funcionamento é impecável e seu celular nem será notado em meio a tanta coisa mais interessante acontecendo na mesa. É um acessório como uma tabela para ser consultada, por exemplo, a diferença é que é mais prático, bonito e intuitivo.
Sobre a possibilidade de jogar sem ele, esqueça. Uma pessoa teria de ficar cuidando de uma espécie de gabarito de poções sem efetivamente jogar, fora a chance de falar algo errado e confundir os jogadores.
Um dos euros mais temáticos que joguei na vida. Belíssimo, desafiador e instigante, unindo parte de jogabilidade consagrada de jogos tradicionais, parte de vários novos elementos com roupagem diferentes, unindo tudo com tecnologia de modo agradável. Um clássico instantâneo!
DICA: Confira nossa dica de trilha sonora para usar em suas partidas de Alquimistas aqui.
Pontos Positivos
– Deduzir os alquímicos!!!
– Publicar e debater as teorias
– Extremamente temático
– Integrou o aplicativo de maneira sutil, divertida e eficaz
– Componentes de primeira qualidade
Pontos Negativos
– Pode intimidar alguns jogadores
– Pontuação um pouco exagerada atribuída além das poções
– Interação fraca nas ações do tabuleiro em si