Por W. Eric Martin
Fonte: https://www.boardgamegeek.com/blogpost/41867/tokyo-game-market-may-2015-i-no-rest-restless
 
Sempre que eu visito uma grande cidade, especialmente fora dos Estados Unidos, eu quero caminhar por ela. Quero absorver tudo o que posso sobre a paisagem ao meu redor, e não apenas indo de um local turístico para o próximo, mas vendo tudo o que está no meio, detectando cada pequena diferença do que eu penso como familiar e natural para redescobrir (mais uma vez) que o familiar é familiar só porque isso é o que você escolheu (ou tem) para cercar-se.

 
Eu fui para Tóquio por menos de três dias para visitar a Game Market, e eu mergulhei nesse desejo de conhecer a cidade tanto quanto eu pude, andando 1 hora para uma reunião no jantar de segunda-feira e novamente na manhã seguinte no caminho para Big Sight, o local onde foi realizada a Game Market. Não consegui fazer todo o trajeto a pé até a Big Sight, e precisei pegar o metrô no meio do caminho porque eu estava sobrecarregado com 1800 dados como um favor para um designer japonês e queria garantir o meu ingresso precoce, a fim de gravar algumas horas do evento antes dele ficar coberto por enxames de jogadores.




 
O estranho era que, quanto mais eu via de Tóquio, mais ela me lembrava de Utrecht, na Holanda, onde morei por seis meses, em meados dos anos 1990: as calçadas de tijolos, os carros minúsculos, as ciclovias, os jardins de guarnição imprensados entre rios canalizados e indústrias com aparência de edifícios de apartamentos, o uso eficiente de todos os espaços imagináveis devido ao espaço ser um prêmio. E o campo, fora da cidade, sendo dividido em retângulos por valas de irrigação e caminhos estreitos para veículos de agricultura.
 
A coisa mais agradável de andar em Tóquio são as camadas de décadas e séculos em quase tudo ao seu redor, como uma tela que tem sido trabalhada por gerações de artistas, com todo o seu trabalho visível em algum grau.


 
Bufê de Jogos
 
Eu gosto de abordar convenções de jogos da maneira que eu faço com as cidades, tentando explorar tanto quanto eu puder absorver, para ver tudo o que existe, e tentar compreender a amplitude da criação.
 
Esse esforço é duramente testado em convenções de jogos. A cada ano que passa, eu ainda fico surpreso com o número de jogos apresentados e eu me decepciono porque eu não posso gastar mais tempo me familiarizando com eles. Cada ano, na Spiel, eu passo cinco dias inspecionando as barracas, conversando com os designers, testando protótipos de futuros lançamentos de jogos - e ainda saio com a sensação de ter perdido dezenas de potenciais tesouros.
 
A Game Market 2015 (que aconteceu em maio deste ano) acabou por ser pior a este respeito, com 365 expositores exibindo centenas de jogos, e tudo acontece no espaço de sete horas. Em todos os lugares que você olha, algo novo e intrigante está aguardando, com a complicação adicional para alguns participantes - como este que vos fala - que eu não conseguia ler o texto na maioria das caixas, cartas e livros de regras, deixando-me a olhar para os jogos como se fossem estranhos comprimidos e para decifrar o seu significado só se eu me dedicasse a eles um tempo maior.
 
A maioria dos lançamentos na Game Market são jogos de cartas de algum tipo, em parte porque eles são pequenos e, portanto, podem ser exibidos mais facilmente nas barracas minúsculas disponíveis para expositores e em parte porque eles são fáceis de produzir em comparação com jogos com peças de madeira ou várias fichas de papelão.
 
Enquanto todos nós temos algum grau de familiaridade com as cartas, os designers continuam encontrando coisas novas para colocar sobre elas ou o que fazer com elas, novas maneiras de mantê-las ou colocá-las ou jogá-las. Um exemplo disso: seis semanas antes da Game Market, o designer Shimpei Sato desafiou outros designers a criarem um jogo de cartas que consistia em apenas dois tipos de cartas. Você poderia ter artes diferentes nas cartas, mas se a obra de arte tinha um significado funcional, então você estava violando o espírito do desafio. Um número de designers lançou novas criações que se encaixavam nestas diretrizes, como o jogo de dedução 15 ○ 9 × de Susumu Kawasaki.
 
(Curiosamente, Sato não lançou um projeto de duas cartas. Ao invés disso, vendou um tipo de dado em seu estande, juntamente com cópias de Jushimatsu e Nanahoshi da Komado. Como você usa este dado? Jogue o dado e veja o resultado. Se você está em dúvida sobre qual estilo de jogo irá jogar, role-o para determinar um gênero.)


 
Prazer da tarde
 
Certamente nem todos os novos lançamentos da Game Market serão acolhidos pela maioria. Aqui lançaram outra versão de lobisomem, por exemplo, ou outro jogo de blefe que lembra muitos de seus antecessores, ou outro jogo com meninas bonitas de mangá que querem ser estrelas da música pop. Todos nós temos temas e tipos de jogos que vimos o suficiente para os nossos gostos - mas aqui existem ainda mais deles para aqueles fãs que não enjoam, que querem ver quão criativo um designer particular pode ser sobre algo familiar. Quantas camadas foram adicionadas a algo que já conhecemos bastante?


 
Você olha ao redor da sala para as centenas de criações, e é quase incompreensível que tantas pessoas têm trabalhado tão duro para trazer provas da sua criatividade artística para o mundo, para compartilhar algo de si em pequenas quantidades que será visto por 0% da população mundial. Criando para o bem da criação com a maioria dessas publicações sendo produzida e vendida em margens terríveis - às vezes até mesmo com prejuízo. No final, estes não são empresários, mas artistas ansiosos para deixar uma marca com as suas criações.




 
Os designers da editora Saien causaram a maior impressão em mim, e ainda sou incapaz de parar de pensar sobre suas criações. Tentando expressar-lhes o sentimento que eu tive ao olhar e jogar os seus jogos, mesmo com a ajuda do jogador e intérprete Ken Shoda, é difícil porque eu não tenho uma boa explicação de como eu me senti. Quando vi as suas obras pela primeira vez, eu não consegui entender o que fazer com o que eles estavam apresentando, ainda assim eu não conseguia parar de olhar, porque os jogos pareceram tão intrigantes. A arte de seus jogos não é apenas nos mecanismos utilizados, mas no design gráfico e escolha de componentes - Katteni Shiyagare parece uma pilha de blocos infantis, Mangrove uma decoração de escritório, Hau La um monte de coisas mutantes, Hiyoko Drip um caixa de jujuba, Zittia uma pilha de lixo - deixando-me sem fala pela sua audácia e, simultaneamente, ansioso para descobrir o que realmente seriam aquelas criações.



 
Outro aspecto comum entre as versões da Game Market, digamos assim, é o aumento da personalidade de seus jogos, o que é provável devido à editora também ser o próprio designer na maioria dos casos. Você está fazendo o jogo da maneira exata que você quer olhar, independentemente dos custos, de modo que Hitohira da Ouyuuan possui um saco bonito a partir do qual você compra os componentes (que parecem ser contas de colar de plástico), Sheep & Thief da Power9 Games tem muitas bolas brancas minúsculas para as ovelhas. A estranheza dos componentes torna-se parte do charme do jogo, algo que nem sempre é aceito em publicações mais populares.




 
Eu confesso que fui seduzido pela estranheza dos jogos, pela sua natureza "diferente", caracterizando um estilo estranho e excitante para mim. Eu ainda acredito que estes jogos possuem uma forte personalidade e uma gama mais ampla de expressão em suas obras de arte e design gráfico do que pode ser encontrado em versões de editoras alemãs, americanas e francesas, por mais bonitas que as versões francesas possam ser.
 
Caça ao Tesouro
 
A Game Market cresceu muito desde o seu nascimento em 2000, tanto em número de participantes, expositores e lançamentos de jogos quanto em sua influência sobre o mercado mundial de jogos. Em maio de 2015, 8.500 pessoas compraram um bilhete de entrada na forma de um catálogo de jogos, acima dos cerca de 7.200 em novembro de 2014, e muito longe dos 400 que apareceram pela primeira Game Market em 2000. O número de expositores cresceu de aproximadamente 30 em 2000 para 365 em 2015. Game Market começou como um evento de uma vez por ano, ganhou uma segunda data, em 2010, e em seguida, uma terceira data em 2012 em Osaka. A propriedade da Game Market passou do fundador Zyun Kusaba para a editora japonesa Arclight em 2010.



 
O sucesso do jogo Love Letter pela Alderac Entertainment, seguido um ano depois da mania pelo Machi Koro, tem incentivado as editoras não-japonesas, como a Tasty Minstrel Games e a Pandasaurus Games, a assistirem ao evento em busca de títulos para publicar. Como por exemplo, a Tasty Minstrel Games planeja lançar o jogo Design Town (Flip City) da editora de Taiwan Homosapiens Lab com o nome de Flip City em 2015. (Não, Taiwan não é no Japão, mas os projetos de jogos de tabuleiro em Taiwan têm tido uma forte presença no mercado dos últimos anos).




 
As editoras francesas Cocktail Games e Moonster Games também foram na onda da Tasty Minstrel Games, como fizeram em muitas convenções passadas, e Moritz Brunnhofer da editora alemã Hans im Glück apareceu na Game Market pela primeira vez. O tradutor Simon Lindström guiou Brunnhofer em parte do evento e escreveu sobre a experiência em seu blog:
 

Eu tenho me divertido muito com The King of Frontier, mas joguei com Moritz da Hans Im Glück, onde ressalto que ele encontrou algumas falhas no jogo, e eu fiquei bastante impressionado com sua habilidade de desenvolvedor. Eu tenho certeza do profissional que ele deve ser, mas eu acho que nem todo mundo é tão hábil em seu trabalho. Ele mostrou como o jogo poderia ter sido desenvolvido em algumas partes e que poderia torná-lo um sucesso...
 
Depois de jogar The Little Witches and the Mysterious House, mais uma vez ele apontou as partes que ele gostava, que ele não gostava e como melhorá-las. Se eu fosse um designer de jogos, eu valorizaria a possibilidade de deixá-lo testar meus jogos.

 
Pelo que tenho lido e através de minha própria experiência, a profundidade no desenvolvimento não é algo que você encontrará em grande quantidade na maioria dos jogos lançados na Tokyo Game Market. Na maioria dos casos, os designers são os próprios editores, e eles só têm algo legal que querem compartilhar, e para a maioria das pessoas isto é suficiente.




 
Afinal de contas, os fãs dos jogos são caçadores de tesouros, tanto quanto os editores são, e eles estão ansiosos para encontrar a experiência de algo especial. Às 10:00 horas, os fãs derramaram-se através das portas como a água de uma represa estourada, a fim de ficarem na fila do estande da New Games Order para comprar uma das cem cópias de Stone Garden disponíveis no evento. Este título recebeu publicidade sem precedentes na mídia japonesa (para um jogo não popular), com um endosso de celebridades empurrando o interesse para um patamar bastante alto. New Games Order é aparentemente capaz de criar e vender apenas 100-150 cópias por mês, devido à natureza artesanal dos componentes parecidos com rochas, algo que também impulsiona o preço para um astronômico ¥ 8.200 (aproximadamente US$ 68). Com apenas cem cópias na mão, os jogadores pagaram o preço, porque a única outra escolha era não obtê-lo.




 
Com permissão da HABA, o varejista japonês Sugorokuya criou uma versão gigante de Rhino Hero, que era vendido por mais de ¥ 10.000, e com menos de vinte cópias no evento (de toda uma tiragem de cem) desaparecendo nas mãos dos fãs em minutos. Segue uma foto deste jogo versão gigante sendo jogado no evento:


 
7 Symbols, and 7 Nations de Takamagahara, que foi eleito o melhor lançamento da Game Market de novembro 2014, estava em oferta neste evento. Dentro de 15 minutos todas as cópias foram vendidas, deixando idiotas como eu que não reservaram uma para comprar. Na mesma linha, apenas vinte exemplares de Daisuki tinham sido montados para o evento, então a distribuidora ASOBI.dept fez um tipo de loteria, com as pessoas na fila retirando uma ficha de um saco para ver se eles poderiam comprar uma cópia. Um perdedor no sorteio me disse que mais cópias estarão disponíveis na Game Market de novembro 2015. Quantas cópias? Nós teremos que esperar para descobrir.


 
Muitos editores da Game Market fazem reservas para seus títulos, mas com tiragens bem pequenas - 200 exemplares totais sendo uma média que eu ouvi para lançamentos doujin, que significa algo semelhante ao amador - e o número de cópias disponíveis para reserva é naturalmente ainda menor. A Manifest Destiny, por exemplo, levou sessenta exemplares reservados para seu maior lançamento My Fair Princess, e menos de quarenta reservas de seus títulos menores. Inesperadamente a Manifest Destiny também tinha uma pequena oferta no idioma inglês de The Ravens of Thri Sahashri, menos de vinte cópias, e eu não tinha visto anunciado em qualquer lugar com antecedência. Ainda um outro aspecto da caça ao tesouro! Enquanto Manifest Destiny vendeu um total de 170 cópias de My Fair Princess, a tiragem foi de quinhentos exemplares, e meu entendimento é que este jogo estará disponível na Spiel de 2015.
 
De muitas formas, esta Game Market parece ser um trampolim para Spiel 2015, pelo menos para algumas das "maiores" e mais conhecidas editoras no evento. Okazu Brand estava enterrada atrás de uma pilha de Minerva antes das portas se abrirem, e tudo que eu ouvi indica que este jogo também será mostrado em Essen. BakaFire Party teve dois novos jogos – Reidemiester, um puzzle em tempo real onde você tenta organizar diferentes sequências nos padrões atribuídos e o jogo de cartas Fram Rlyeh, com ambos os títulos tendo regras em inglês.




Ok, eu pensei ser capaz de contar toda a minha experiência em Tóquio num único artigo, mas escreverei mais sobre a Game Market, bem como as viagens para as lojas de jogos de Tóquio, em um segundo post. Preciso continuar meus esforços fracassados para reequilibrar o meu medidor de sono.