Publicado em http://onboardbgg.com/2015/01/14/sobre-a-mesa-a-batalha-dos-cinco-exercitos/
Certamente um dos jogos mais comentados das últimas semanas, com ambientação na parte norte da Terra-Média, região de Forodwaith, na Montanha Solitária, no final épico do livro de 1937 de John Ronald Reuel Tolkien, o Hobbit. De um lado, o exército das trevas, constituído de morcegos gigantes, wargs e orcs e antes que alguém comente, o termo “goblin” corresponde a “orc” no mundo tolkeniano, já na literatura essa diferença parece ter sido mantida apenas em O Hobbit, característica que os designers do jogo mantiveram, demonstrando atenção aos detalhes e muito estudo da obra de Tolkien, o que, para um grande fã deste universo, é bastante relevante. E do outro lado, o exército do bem, constituído por anões, elfos e homens. Esta batalha ocorreu no ano de 2941 da Terceira Era. Sei que são informações pouco relevantes para quem se interessa apenas pelo jogo, mas para uma questão de ambientação e geografia local, achei importante citá-los para o contexto dentro do cenário da Terra-Média.

"Rrrrrggggggggggggghhhhhhhhhhh!" (Foto On Board)
A Batalha dos Cinco Exércitos foi lançado em 2014, produzido pelos mesmos designers de War of the Ring (Guerra do Anel), Roberto di Melio, Marco Maggi e Francesco Nepitello. A equipe de ilustradores tem a presença ilustre de Ben Wooten, que trabalhou com Peter Jackson em O Senhor dos Anéis e no filme As Crônicas de Narnia. Já ocupa a 665ª posição no ranking da BoardGameGeek, o que impressiona por ser um lançamento. Publicado pela Ares com versão nacional pela Devir.
Mecânica:
- Domínio e movimento de área
- Rolagem de dados
- Gerenciamento de mão
Uma rodada é dividida em seis fases relativamente semelhantes às de Guerra do Anel. São elas:
1) Recolhimento de dados de ação usados na rodada anterior e compra de uma carta de evento e de uma carta de história;
2) Ativação de generais, até o máximo de três, que poderão utilizar seus poderes posteriormente, tendo disponíveis inicialmente Bard, Thranduil, Gandalf e Dáin. Pode-se “adquirir” mais tarde, Throrin e o Senhor das Águias, através da trilha de destino que será discutida a seguir. Após a ativação ou não dos generais, deverá ser colocado um número de tokens de liderança correspondentes ao número de generais ativados.
Na parte de baixo da foto, um exército dos povos livres com uma unidade de elfos arqueiros, duas unidades de Homens do Lago, uma unidade de anões regulares e um token de liderança. (Foto On Board)
3) Na fase de destino compra-se aleatoriamente tokens numerados que fazem com que o marcador correspondente ande a quantidade sorteada na trilha do destino comentada no item 2. A quantidade sorteada depende do número de generais ativados pelos povos livres. Por serem comprados um a um, o shadow player precisa escolher se mantém o valor sorteado ou arrisca o próximo! Se o marcador chegar a 15, o jogo acaba imediatamente em vitória para o jogador dos povos livres.
Alguns desses tokens tem ainda uma runa élfica que faz com que o jogador dos povos livres pegue uma carta de destino que deverá ser resolvida imediatamente, caso possível. Esta carta contém habilidades para os generais ou personagens vindouros. Detalhe que os tokens de destino vão de 1 a 3, ou seja, ele pode funcionar como um relógio para o jogador das sombras, pois a medida que avança na trilha, aproxima-se não apenas a derrota, mas o “destravamento” de novos personagens que se unirão ao jogador dos povos livres em combate.
"You shall not pass!" Opa, "peraí"! (Foto On Board)
4) Agora, na fase de liderança das sombras, o jogador vermelho colocará morcegos e tokens de liderança em seus exércitos que somados igualem o número de dados de ação. Como o jogador das sombras tem, inicialmente, seis dados, pode, então, colocar um número de morcegos gigantes mais liderança igual a seis. Por exemplo, quatro morcegos e dois marcadores de liderança em exércitos diferentes. O que há de especial nos morcegos gigantes? Dano extra nas batalhas ou movimentação extra nos territórios.
5) Rolagem de dados de ação: estes já são velhos conhecidos de Guerra do Anel e seus resultados são muito semelhantes ao que encontramos em seu irmão maior. A novidade aqui é que o dado de recrutamento pode ser usado para recuperar os danos do exército.
Dados de ação (vermelhos e azuis) (Foto On Board)
As semelhanças com o Guerra do Anel são realmente muito grandes e o próprio manual coloca isso também. Mas não se engane. São jogos realmente distintos em muitos aspectos. Comecemos com as semelhanças: rolagem e recuperação de dados, alistamento e rolagens nas batalhas são absolutamente idênticas. Os resultados dos dados de ação também. O que muda então? Muda a capacidade de recuperar danos, que não existia no Guerra do Anel e considero isso de grande utilidade. Muda a forma de resolução de danos: a cada dois danos sofridos um personagem é retirado. A retirada é opcional se o número de danos recebidos for menor ou igual ao número de unidades em seu exército e obrigatório se for maior. Os terrenos, agora, importam no início das batalhas e na ativação de Thranduil para a ação de “arqueirismo” que exige que os arqueiros estejam em ambiente específico. Mas senti que a grande cereja do bolo consiste nas particularidades do jogador das sombras e dos povos livres e quero aprofundar isso.

É chegada a hora da morte. Obs.: fichas de dano diferentes das do jogo. (Foto On Board)
Existem diferenças claras entre os jogadores, na verdade, uma assimetria militar. O jogador dos povos livres tem, inicialmente, capacidade militar muito menor em relação ao jogador das sombras. Ele leva mais tempo para realizar o recrutamento, já que depende, na maior parte das vezes, dos generais para realizá-lo (às vezes custa um turno inteiro só para colocar as fichas de recrutamento e realizá-lo, dependendo do resultado dos dados) o que o obriga a jogar na retranca por muito tempo e ser um estrategista paciente. Por outro lado, o jogador dos povos livres tem a trilha de destino a seu favor e quem já teve a experiência de vê-la subir muito rápido, sabe o desespero que é para quem está de jogador das sombras, além de ter personagens poderosos e com grande poder de fogo, como no caso de Gandalf e sua explosão mágica, de Thranduil e seu ataque de arqueirismo, dos imponentes e fortes golpes de Thorin, das Águias e sua limpeza de território e do tanque de guerra, Beorn. O jogador das sombras, entretanto, tem um poderio militar enorme e a facilidade de recrutamento das unidades pelas cartas de evento realmente é grande, fora as passagens das montanhas, áreas específicas onde pode-se fazer alistamento de goblins. Como o shadow player sabe que a trilha de destino não está a seu favor, ele é obrigado a descer com tudo para as regiões ao sul e atacar sistematicamente. Seu único personagem é Bolg, filho de Azog, que é bastante poderoso. O problema é que se perdê-lo, o jogo acaba! Dessa assimetria é que vemos certo drama no jogo. O jogador dos povos livres vê diminuído drasticamente seu exército enquanto observa o track de destino avançar e o jogador das sombras tem pressa na descida territorial, pois o tempo não está a seu favor. A partida sempre se torna épica.

Torcida do América em peso! (Foto On Board)
6) A última etapa é verificar se alguma condição de vitória foi alcançada como as já comentadas e outras, por exemplo, se Beorn entrar em jogo e o shadow player tiver menos de seis pontos de vitória pelo controle de fortificações, dentre outras.
Considerações Finais:
Primeira coisa a ser dita depois de assistir à trilogia de filmes O Hobbit: nada de Peter Jackson aqui, ou seja, nada de anão sem barba, nada de orcs ou goblins bobinhos e cômicos, nada de romance de elfos e anões. Aqui a imagem mental de todo apaixonado pelo mundo tolkeniano está presente. Anões robustos, elfos guerreiros, humanos barbados e de cabelos compridos bem no estereótipo medieval e contextualizado com os livros.
ESSE é Thorin
As peças de plástico, que alguns reclamaram no Guerra do Anel, estão aqui firmes e com poucas dobras, além do material plástico estar mais denso. O tabuleiro, graficamente, segue os mesmos moldes do seu irmão maior, só que em vez de dois tabuleiros imensos que se completam, aqui um tabuleiro único e muito menor que o seu predecessor. Muito bom, afinal, nem todos tem espaço grande para jogar títulos com tabuleiros tão grandes, o que torna A Batalha mais confortável na hora de jogar. Em suma, a parte gráfica está bem ambientada aos moldes do livro (como deveria ser, aliás) e por isso muito diferente daquilo que você viu no cinema.
A escultura dos personagens é mais um grande destaque do jogo. (Foto On Board)
O “entretanto” recai sobre a versão traduzida da DEVIR onde o jogo trouxe erros de tradução do movimento dos Morcegos Gigantes e a caixa que traz um novo erro de português aos moldes do “Batalaha pela Terra-Média” de Guerra do Anel. Desta vez é o “Final Epíco de O Hobbit”. Outro senão, o manual de 36 páginas traz muitas regras e exceções, para um jogador inexperiente isso pode assustar. Sim, novamente as dezenas de exceções de jogo estão lá. Nada disso tira o brilhantismo do jogo e suas resoluções de batalha sem todas as regras específicas para recuo de fortalezas ou de determinar o limite das fichas de recrutamento diminuindo drasticamente o número de personagens do tabuleiro, o que é bom visualmente e estrategicamente. Um dos grandes lançamentos nacionais de 2014. Hobbits, anões e orcs gostaram muito também!
Menor que Guerra do Anel, mas mesmo assim ocupa uma boa área de jogo. (Foto On Board)
Pontos positivos:
- Mais fácil de aprender que Guerra do Anel
- Resolução de batalhas e baixas de modo elegante e funcional
- Resolução nos recrutamentos
- Boa assimetria entre o jogador das sombras e dos povos livres
Pontos negativos:
- Erro de português na tampa da caixa da versão nacional e erros pontuais de tradução no manual
- Pode assustar pelo número de regras e exceções
- Para dois jogadores, apenas
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